A milícia formada pelo grupo extremista religioso Talibã retomou o controle do Afeganistão na segunda-feira (12), forçando o presidente Ashraf Ghani a fugir para os Emirados Árabes e rompendo com toda a estrutura política e democrática do país. Agora, os afegãos lidam com uma ditadura parecida com aquela imposta pelo mesmo grupo em 1996. E, embora o Talibã tenha dito que vai respeitar as mulheres e todos os cidadãos que, de alguma forma, foram contra o grupo extremista, eles já começaram a procurar afegãos que colaboraram com os EUA durante a ocupação estadunidense contra a ditadura do Talibã.
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De acordo com a Reuters, que analisou postagens em redes sociais e conversou com afegãos pela internet, logo após a tomada da capital Cabul, os milicianos começaram a vasculhar as redes sociais e as casas da população, uma a uma, casa a casa, em busca de indivíduos que foram contra à ocupação do Talibã ou qualquer um que tenha, de alguma forma, colaborado com os Estados Unidos.
A jornalista Monica Campbell contou no Twitter que os afegãos que trabalharam para o exército dos EUA estão escondendo (alguns até queimando) documentos que provem que trabalharam para os EUA. Muitos não tem coragem de queimar esses documentos por serem registros valiosos caso queiram pedir asilo político nos EUA.
Hearing from Afghans who have worked for US forces that they are hiding documents that show they worked for the U.S. - documents that could be dangerous if their home is raided, but documents they may need to show if they hope to be evacuated while visas are still in process.
— Monica Campbell (@monica_campbell) August 16, 2021
De acordo com a WIRED, agora que o Talibã está de volta ao poder, os rastros digitais, documentos, fotos, links acessados, mensagens trocadas que levem os milicianos a acreditar que exista uma relação entre um afegão e os EUA, pode ser motivo de punição severa e até morte.
O Talibã pode encontrar essas informações analisando os dispositivos eletrônicos (smartphones e computadores), os serviços de hospedagem em nuvem, as redes sociais e as casas da população, que está em uma corrida mortal para apagar todos os registros de suas vidas passadas. O problema é que há informações que não são de controle deles, como fotos em redes sociais de ONGs e outros dados que não os pertencem.
Para ajudar nessa missão de apagar dados de suas vidas passadas (que sabemos, é uma atividade bastante complicada) a Human Rights First publicou um guia de como apagar seu histórico digital, traduzida para a língua Árabe de forma voluntária pelo Vets for American Ideals.
Talibã assume controle de sistema de identificação biométrica utilizado pelo exército dos EUA no Afeganistão
Tropas militares dos Estados Unidos enfrentam, junto com o exército afegão, a resistência do Talibã há quase duas décadas. Durante esses anos, os EUA desenvolveram ferramentas para catalogar digitalmente a população e encontrar possíveis terroristas e milicianos ligados ao Talibã no território afegão. Uma dessas ferramentas é chamada de HIIDE, um sistema de coleta e análise de dados biométricos, utilizado pelas tropas estadunidenses para, além de encontrar possíveis terroristas, identificar a população digitalmente e recrutar aliados afegãos.
De acordo com o The Interpect, que ouviu um oficial do Comando de Operações Especiais Conjuntas e mais três militares dos EUA, esses dispositivos contêm dados biométricos de identificação, como impressões digitais e leituras da íris dos olhos, além de outras informações biográficas.
O Talibã conseguiu capturar esses dispositivos após a saída do exército estadunidense do território afegão, na segunda-feira (12). Agora, o grupo extremista pode utilizar esses dados para oprimir e punir inimigos políticos e outros grupos vulneráveis que foram a favor da ocupação estadunidense.
Com a saída dos militares dos EUA, milhares de afegãos lutam para garantir a segurança de seu povo, especialmente as mulheres, cientistas, jornalistas e ativistas, que de acordo com a Amnesty International, "estão sob sério risco de represálias, correndo risco de serem entregues a um futuro profundamente incerto".
Segundo um militar veterano das ocupações no Afeganistão, ouvido pelo The Interpect, o próprio Talibã não possui tecnologia suficiente para analisar esses dados, mas o Inter-Services Intelligence (ISI), a agências de espionagem do Governo do Paquistão, possui. A ISI é conhecida por trabalhar em parceria com o Talibã em diversos aspectos.
“Não creio que alguém tenha pensado em privacidade de dados ou no que fazer no caso do sistema [HIIDE] caísse nas mãos erradas”, disse Welton Chang, chefe de tecnologia da Human Rights First, ao The Interpect.
O exército dos Estados Unidos ainda não explicou como o sistema foi construído dessa forma vulnerável, que permite o acesso de outras agências de inteligência ao banco de dados da ferramenta. Também não explicou como pretende impedir que isso aconteça.
A Human Rights First também está trabalhando em um guia sobre como evitar que a tecnologia de reconhecimento facial e biométrico seja utilizada de forma negativa contra a população. "Quão provável e extenso é isso, não sabemos, mas as pessoas estão preocupadas em serem identificadas como colaboradores ou por serem ativistas, ou defensores dos direitos humanos", concluiu Brian Dooley, conselheiro sênior da Human rights First, em entrevista à WIRED.
Fontes: Reuters; WIRED; Human Rights Fisrt; The Interpect; Amnesty International.