Quando o bitcoin surgiu repentinamente, poucas pessoas botaram fé que um “dinheiro digital” pudesse dar certo. Anos depois, a unidade da moeda criptográfica já custa mais de US$ 45 mil e existem diversas altcoins — como chamamos protocolos derivados — que estão disponíveis no mercado. No fim das contas, será que as criptomoedas podem substituir cédulas físicas como reserva de mercado oficial em um futuro próximo? Foi para responder isso que o Dr. Kenneth Geers subiu ao palco do Mind The Sec 2021.
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Kenneth, que é senior fellow na Atlantic Council Cyber Statecraft Initiative e embaixador do Centro de Excelência e Cooperação de Defesa Cibernética na OTAN, não é um especialista em economia — mas, ainda assim, entende o suficiente do assunto para nos lembrar sobre as características intrínsecas daquilo que chamamos de dinheiro. O palestrante nos lembrou que, historicamente falando, até mesmo conchas e sal eram usados como moedas de troca e poderiam ser removidos de seu país de origem no caso de uma invasão.
“Essas coisas tinham um valor intrínseco porque forneciam uma prova de trabalho, ou seja, de que você teria feito algo para pode ganhar algo, como encontrar ou extrair esses itens em locais de difícil acesso”, explica, ressaltando que, em pouco tempo, encontramos um objetivo cujo valor se tornou universal. “É aqui que o ouro entra em cena. Se você olhar para toda a tabela periódica de elementos, poucos deles se aproximam do valor do ouro para humanos. Ele é raro, forte, lindo. Não é venenoso, radioativo e nem corrosivo.”
Após o Acordo de Bretton Woods, assinado em 1944 e no qual foi combinado que outras moedas seriam indexadas ao dólar e que o dólar se basearia no preço do ouro, as nações passaram a confiar na tangibilidade da moeda estadunidense como reserva para as suas próprias — seja em momentos de crise ou em momentos de guerra. “Portanto, se a criptomoeda quiser ultrapassar o dólar americano, ela precisa começar a assumir as características de dinheiro. A questão é: o que é dinheiro?”.
Definindo o real "dinheiro"
Investir em dólar era investir nos EUA, que tinha as maiores reservas de ouro. “Outras nações começaram a criticar os Estados Unidos por terem um privilégio exorbitante em que eles foram autorizados a imprimir dinheiro à vontade e isso permitiu que o país construísse o maior exército do mundo, entre outras coisas.” Porém, nada dura para sempre e, em 1971, os EUA foram forçados a acabar com o padrão do ouro, o que fez com que o dólar começasse a flutuar e não estava mais amarrado ao preço do minério.
O dinheiro real, segundo Kenneth, pode ser usado em troca de serviços e em impostos. O especialista ressalta que “dinheiro é uma construção humana com base no consenso político, econômico e social”, tendo as características de ser escasso, portátil, durável e estável — atributos estes que ainda faltam nas criptomoedas disponíveis atualmente no mercado. Aliás, o palestrante fez questão de destacar os três elementos essenciais do dinheiro: o meio de troca, a unidade de conta e a reserva de valor.
No primeiro, temos um token intermediário que representa um certo valor que pode ser trocado por bens e serviços. “A adoção social é fundamental. Funcionalidade, segurança e usabilidade têm um papel em determinar se a sociedade acabará adotando algo que ela possa usar como meio de troca”, explica. No segundo elemento, Kenneth explica que é fundamental que o item usado como moeda de troca precise contar com uma medida estável de custos, preços, desempenho e lucros.
“O aspecto chave desta característica do dinheiro é o uso de um registro. É um registro de atividades econômicas e relações financeiras. Os livros de criptomoedas têm as mesmas dinâmicas”, diz. Por fim, o terceiro elemento representa uma demanda estável e um recurso durável. “É esse último aspecto que pode ser o mais difícil de ser superado pela criptomoeda. A falta de uma gestão central levará a um certo nível de volatilidade e falta de estabilidade que fará com que fique difícil depositar confiança nelas”.
Como uma cédula, mas mais fácil de transportar
Kenneth cita vários exemplos de como as nações estão encarando a moda das criptomoedas — El Salvador está investindo pesado nos bitcoins, chegando ao nível de isentá-los de impostos. Por outro lado, na Rússia, onde o ouro teve um aumento de preço para aumentar a independência contra o dólar e proteger o país contra eventuais sanções econômicas dos EUA, o governo fez de tudo para sufocar a mineração de criptomoedas, chegando a proibir que funcionários públicos possuíssem dinheiro virtual.
O ouro, apesar de tudo, é difícil de transferir, e mesmo quando você compra ou vende ouro, você só está alterando os registros, de forma similar às criptomoedas. “Uma das coisas que a criptomoeda está tentando resolver é mover o valor com rapidez e segurança por todo o mundo através da internet. Você não pode fazer isso com ouro ou prata. Moedas como o bitcoin caem em uma longa linha de transações programáveis, semelhantes às comunicações online como TCP/IP, HTTP, SSL, TLS etc.”.
“Pode parecer um desafio para a criptomoeda conseguir o mesmo nível de confiança e adoção social como vimos com as moedas tradicionais e até mesmo transações no cartão de crédito ao longo da última geração. Mas, na verdade, estamos avançando rapidamente nessa direção”, ressalta o especialista Como exemplo, ele cita a China, país no qual 80% das transações já são digitais, e não com cédulas tradicionais — além disso, para os Jogos Olímpicos de Inverno de 2022 em Pequim, haverá testes públicos com yuan virtual.
O problema é: como sabemos quantas moedas estão disponíveis e como sabemos de quem são? Isso é possível através do blockchain. “O blockchain mantém ativos digitais armazenados em um registro online descentralizado com uma forte criptografia. É um banco de dados online e auditável que é resistente à violação e é baseado em um consenso de protocolo de comunicação com validação de blocos.” Isso torna até a extração de criptomoedas possível, tal como o ouro, verificando as transações de blocos.
Hoje não... Mas amanhã, talvez
O especialista não escondeu sua empolgação com o futuro do bitcoin. “Os possíveis benefícios da criptomoeda vão do individual até o nível nacional e internacional. Eles são verdadeiramente revolucionários”, assume. Ao mesmo tempo, Kenneth ressalta os riscos. “É algo que evolui rápido e seu fator ‘novidade’ significa que existe uma grande curva de aprendizagem. Criptografia e matemática nunca foi fácil para a grande maioria dos humanos; por isso, estados-nações estão bastante distantes da curva.”
Há ainda outros problemas como atualizações de software, alto uso de criptomoedas para atividades criminosas, atores maliciosos detendo uma grande reserva e a indisponibilidade de internet em determinados países — o que também significa a indisponibilidade de sua carteira digital. “Eu também tenho certeza que todos vocês viram notícias de alguns proprietários de criptomoedas que perderam hardwares ou senhas e isso significa que eles não podem mais acessar centenas de milhões de dólares nesse formato”, relembra.
Por conta disso, é crucial tomar cuidado com suas chaves privadas — Kenneth aponta que carteiras frias (ou seja, que não possuem conexão com a internet) são excelentes alternativas. “Apesar do incrível potencial das criptomoedas, o fato de que são ou já são catalisadores para mudanças, elas não podem substituir o dólar americano como moeda reserva a curto prazo, mas, no futuro, tudo é possível”, conclui.
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