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NFT: o outro lado da moeda dos tokens não fungíveis

Guilherme Petry

No dia 22 de março de 2021, o primeiro tweet de Jack Dorsey, CEO e co-fundador do Twitter, foi vendido por 1630,5826 Ethereum, na época, equivalente a quase US$ 3 milhões (US$2,915,835.4), para Hakan Estavi, CEO de uma empresa de criptomoedas na Malásia.

O que foi vendido, no entanto, foi apenas um certificado digital, que faz parte de uma rede de blockchain: um token não fungível (NFT), que diz que Hakan agora é "dono da obra". Mas isso não garante ao comprador nenhum privilégio sobre a postagem, apenas o certificado.

Tokens não fungíveis (NFTs) bombaram na mídia especializada de tecnologia, conseguindo espaço até na imprensa tradicional, devido aos valores assustadores no qual são negociadas obras de arte em formato digital.

Como é o caso deste .jpeg vendido por apenas US$ 70 milhões (cerca de R$ 390 milhões), que ganhou seu espaço no tradicional The Whashington Post como uma "obra de arte" vendida por mais do que qualquer pintura de Ticiano ou Raphael, segundo a opinião de um colunista.

A obra “Everydays: The First 5000 Days”, uma coleção de imagens de um artista conhecido como Beeple. Foto: Christie's
A obra “Everydays: The First 5000 Days”, uma coleção de imagens de um artista conhecido como Beeple. Foto: Christie's

Ao comprar uma NFT de uma obra, de um tweet, ou de qualquer outra mídia digital, você está comprando somente o certificado, um documento que diz que o NFT desta obra pertence a você. Nenhum direito sobre a obra é adquirido. Sendo assim, a reprodução da obra, continua caracterizada como uma violação de direitos autorais, caso não tenha autorização do autor.

O que leva uma pessoa a comprar um NFT?

Para entender o fenômeno dos NFTs e discutir sobre segurança e legitimidade do sistema, a The Hack convidou Gino Matos, especialista em criptomoedas e editor do CriptoFácil, um portal de conteúdo sobre blockchain e criptomoedas.

Para o Gino, que já produziu e editou diversas matérias sobre o tema (o que colaborou para o acúmulo de diferentes pontos de vista) é difícil justificar um objetivo por trás dos NFTs, já que assim como na arte, cada obra possui seu valor e a aceitação desse valor também pode variar de pessoa para pessoa.

"Por exemplo, [o NFT do] primeiro o Nyan Cat (a obra original) foi vendida por mais de R$ 3 milhões. Embora comprar um NFT não garanta os direitos autorais sobre a obra, trata-se da versão “original”. Para algumas pessoas, isso pode não ter apelo, já para outras, essa ideia de “posse” do original faz muito sentido e gera cobiça", explica.

R$ 3 milhões por um GIF que está disponível na internet pode parecer um absurdo para alguns, mas certamente não é para quem pagou. NTFs seguem o mesmo modelo de negócio da arte. Quando alguém paga determinado valor por uma obra, esse passa a ser o seu valor.

"Esses “altos preços” pagos por NFT seguem o modelo do mundo da arte. Uma vez que o GIF original do Nyan Cat foi vendido por mais de R$ 3 milhões, chegou-se a um entendimento que agora esse GIF possui esse preço. Servindo de base para, caso o comprador queira, negociar esse NFT no futuro", diz Gino.

"Assim como na arte, NFTs são subjetivos. Existem aqueles que acreditam ser besteira pagar mais de R$ 3 milhões apenas para ter o GIF original do Nyan Cat, assim como existem aqueles que acham incrível essa ideia. No fim, nenhum dos dois posicionamentos está necessariamente errado", justifica.

Hype ou "papo reto"? Qual é o futuro dos NFTs?

Gino explica que o momento atual é, sem dúvidas, de hype. No entanto, se não for criada outra solução mais eficiente, os NFTs devem continuar cumprindo seu papel e se estabelecendo cada vez mais no mercado. Além disso, NFTs já representam uma especulação financeira. Ou seja, entusiastas estão buscando especular com o hype para garantir ganhos financeiros no futuro.

"Entendido o potencial geral dos NFTs, penso que eles começarão a penetrar mais nas camadas do ecossistema das criptomoedas e do mainstream (a longo prazo). A arte, fortemente vinculada aos NFTs neste momento, ainda tem muito a florescer com o fim do hype", diz.

NTFs, embora tenham se estabelecido no mundo da arte, também podem ser aplicadas em outras situações, por ser uma tecnologia de blockchain e com característica única. Gino cita que podem ser usadas no universo corporativo como credencial de acesso, assim como no mercado de games.

"O mundo dos jogos pode se beneficiar imensamente. Imagine a Ubisoft criando um ambiente totalmente integrado em blockchain, no qual os itens são NFTs. A desenvolvedora, então, cria um marketplace de itens que podem ser transacionados entre os jogos. ".

"Em uma empresa, tendo em vista o caráter único de um NFT, é possível que identificações sejam geradas em tokens não fungíveis. Um local de acesso apenas para o CEO da empresa, por exemplo, pode ser uma identificação em NFT. Cartões de vacina, cadastro na base de dados de um país, registros..."

Problemas de segurança

Uma semana depois da venda da colagem de Beeple, proprietários relataram furto de NFTs de suas contas. Embora crimes envolvendo blockchain e criptomoedas não sejam nada novos, essa foi a primeira vez que envolvem NFTs.

De acordo com o Cryptonews, cibercriminosos aplicaram golpes de phishing contra usuários da loja de NFTs, Nifty Gateway. Com acesso às contas, os criminosos furtaram as obras existentes nelas, além de usar os cartões de crédito salvos no sistema, para comprar mais NFTs e então, os roubar.

Nesta publicação de 15 de março, um usuário reclama de ter tido seus NFTs roubados da loja Nifty Gateways, assim como outro usuário relatando ter sofrindo com o mesmo problema.
Nesta publicação de 15 de março, um usuário reclama de ter tido seus NFTs roubados da loja Nifty Gateways, além de outro usuário relatando ter sofrido com o mesmo problema.

Segundo Pratik Savla, engenheiro de segurança na Venafi, em coluna para o portal Dark Reading, devido à natureza de transações por blockchain, o trabalho de rastrear e devolver furtos envolvendo criptomoedas é bastante complicado. Nos casos dos NFTs, que são gerenciados através de uma chave privada, qualquer pessoa com essa chave privada pode obter acesso e com isso transacionar os NFTs para onde quiser.

"O design centralizado dos mercados e o alto valor atribuído aos NFTs os tornam alvos valiosos [para cibercriminosos]. Eles podem estar sujeitos a uma variedade de vetores de ataque, incluindo phishing, ameaças internas, ataques à cadeia de suprimentos, ataques de força bruta contra credenciais de contas, ransomware e até mesmo ataques distribuídos de negação de serviço", explica Patrik.

Possibilidade de falsificação

Qualquer pessoa pode anunciar uma obra ou mídia nas plataformas de leilão e venda de NFTs, mesmo que essa pessoa não seja o autor, artista ou responsável pela obra, permitindo a falsificação. Além disso, é possível, por exemplo, vender um NFT de um tweet onde você está compartilhando a obra de outra pessoa, mas ao efetuar a venda, nenhum dinheiro vai para o autor da obra.

Gino explica que mesmo que tenha aplicações em diversas situações e mercados, não há como garantir que uma obra não seja falsificada ou clonada. Mas, isso não é uma característica exclusiva dos NFTs e sim de todo o cenário digital.

"A questão da pirataria existe desde que o mundo digital é mundo, é um jogo de gato e rato. Um artista sério e já conhecido fora do mundo digital não vai arriscar sua credibilidade vendendo uma obra tokenizada como algo “exclusivo” para, poucos meses depois, vender novamente a mesma obra. Entretanto, nada impede que isso aconteça com artistas anônimos".

Já com relação ao furto, isso depende do comprador. O editor recomenda fazer uma gestão cuidadosa dos NFTs, assim como deve ser feito com carteiras digitais de criptomoedas, além de ter atenção para evitar cair em golpes de phishing, engenharia social ou infectado por malwares.

"O roubo é uma possibilidade real, caso o comprador acidentalmente dê acesso à carteira onde está seu NFT para agentes mal-intencionados".

Outra questão de segurança que envolve diretamente os NFTs é a possibilidade de vender obras por muito dinheiro, mesmo não sendo o autor ou artista criador da obra. Qualquer pessoa pode anunciar uma obra em sites de compra e venda de NFTs. "Infelizmente, este é um dos pontos negativos dos NFTs", diz Gino

Mas, isso também é um problema do universo digital, já que é comum ver obras de artistas sendo usadas em outros produtos sem autorização do artista, como em canecas, camisetas, cópias e outros produtos comercializáveis.

"Os NFTs apenas agravaram essa situação. O problema da pirataria no mundo digital já existe há muitos anos, sendo possível garantir apenas a posse do NFT — mas não a veracidade de sua procedência".

Como solução, Gino recomenda que as diferentes plataformas de leilão de NFTs se comuniquem, criando uma rede de checagem em busca de obras duplicadas e falsificações, da mesma forma como trabalham as galerias de arte em busca de fraudes.

"O problema é que, desta forma, o aspecto 'livre' dos NFTs pode ser comprometido. São questões que esbarram em diferentes conceitos e a resposta para elas raramente são simples", conclui Gino.


Fontes: The Wshington Post; Christie's; Cryptonews; Dark Reading.

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