Jornalistas, juízes, advogados, políticos da oposição e outros membros da sociedade civil do Quênia estão enfrentando uma ampla campanha de desinformação e disseminação de fake news pelo Twitter, identificaram dois pesquisadores da Mozilla Fundation, uma organização sem fins lucrativos, que desenvolveu e mantém o navegador Firefox, além de outros softwares de código aberto, mas que também atua em pesquisa e conscientização de privacidade de dados.
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O jornalista, Odanga Madung e pesquisador de segurança da informação, Brian Obilo, ambos quenianos, estudaram as publicações contendo fake news no Twitter sobre a política no Quênia com profundidade por dois meses. Os pesquisadores também entraram em contato com "influenciadores" que participaram dessas campanhas, além de outras evidências coletadas durante as pesquisas.
Como resultado, a pesquisa revelou pelo menos 11 diferentes campanhas de desinformação, um total de mais de 23 mil tweets contendo informações falsas, publicados por 3742 contas diferentes.
Madung explica que essa pesquisa "ilumina uma florescente e sombria industria de contratação de influenciadores de política no Twitter [...] O principal objetivo desta indústria é influenciar a opinião pública durante as eleições e protestos, especialmente no que diz respeito ao processo de revisão constitucional em curso no Quênia".
Já Obilo revela que os dados gerados na pesquisa foram entregues ao Twitter, que "está fazendo muito pouco", permitindo que atores mal-intencionados operem contas falsas, criem e compartilhem conteúdo malicioso e gerem falso engajamento, para manipular o algorítimo da rede social. "Como resultado, milhões de quenianos estão sendo manipulados no Twitter". O Twitter é um dos principais meios utilizados pelo quenianos para encontrar informações.
O estudo indica que o Twitter não respondeu à altura e continua ignorando a situação da desinformação, facilitada pela rede social no Quênia. Em um comunicado à imprensa, a Mozilla revelou que o Twitter penalizou apenas 100 contas por "violarem a política de manipulação da plataforma e por spam".
No entanto, segundo os resultados da pesquisa, ainda sobram cerca de 3600 contas que continuam atuando de forma maliciosa, mentirosa e antidemocrática para benefício de um partido político no país.
Os resultados
Um dos entrevistados revelou que os políticos pagam cerca de U$ 10 a U$ 15 (Quase R$ 80) por três publicações maliciosas, que devem ser feitas no mesmo dia. O pagamento é feito pela plataforma M-Pesa, um aplicativo de serviços financeiros muito popular no Quênia, desenvolvido e oferecido pela britânica Vodafone.
Quase R$ 80 reais por dia pode parecer pouco. Mas, em um país onde a maioria da população vive com U$ 1 por dia, é um valor bastante atraente, principalmente pare jovens desempregados com seguidores nas redes sociais.
Outro problema grave observado é que o falso engajamento criado por contas falsas, manipuladas e pelos influenciadores contratados está alterando o algorítimo do Twitter, fazendo com que a rede social promova naturalmente esses conteúdos. "Oito das 11 campanhas examinadas alcançaram a seção de trending topics do Twitter."
Outro participante revelou aos pesquisadores que essas operações são bastante profissionais, organizadas e os gestores se mantém anônimos, se comunicando apenas pelo WhatsApp. "Os organizadores anônimos usam esses grupos para enviar dinheiro, conteúdo e instruções detalhadas aos influenciadores."
Contas verificadas, aquelas que possuem um selo azul ao lado do ID, normalmente são mais valorizadas. Uma ativista descrita como de "boa-fé", comentou que reduziu drasticamente sua atividade na rede social por conta da enxurrada de informações falsas. "O que antes era um lugar onde se podia ter alguma aparência de uma discussão saudável sobre tópicos, agora foi completamente envenenado", disse a ativista aos pesquisadores.
Os ataques
Em uma matéria publicada na WIRED, Madung lembra que a hashtag #AnarchistJudges começou a aparecer no Twitter queniano por volta de maio deste ano. Impulsionada por uma assustadora massa de bots, perfis falsos e usuários suspeitos, essas hashtags apareceram junto com informações falsas sobre jornalistas, juízes, ativistas e políticos locais, acusando-os de serem corruptos e representantes do narco tráfico internacional.
"As campanhas em que nos interessamos atacaram diretamente os cidadãos e os proeminentes ativistas da sociedade civil que se opunham abertamente a ela. Eles também procuraram desacreditar as organizações da sociedade civil e ativistas, retratando-os como vilões que estavam sendo financiados pelo vice-presidente do Quênia, William Ruto, que havia sido contra", escreveu o jornalista.
A ativista defensora dos direitos humanos, Jerotich Seii e a representante política, Linda Katiba, são exemplos de vítimas ideias, que estão sofrendo constante difamação na rede social.
"Esses problemas não são exclusivos do Quênia. Em toda a África, atores políticos estão explorando recursos do Twitter para tentar controlar narrativas políticas. O que pode ser feito? [...] A equipe do Twitter poderia prestar muito mais atenção aos seus trending topics, país por país, para impedir que seus algorítimos selecionem e realcem conteúdos sem examinar seus possíveis danos [...] O Twitter lucra com essa atividade prejudicial.".
"A mensagem geral que isso envia é não há problema em semear ódio na plataforma, desde que seus proprietários possam colocar anúncios próximos ao conteúdo em alta e lucrar com isso".
"À medida que o Quênia caminha para uma eleição controversa em 2022, a demanda por esses serviços aumentará. Vários partidos políticos e oficiais buscarão campanhas coordenadas inautênticas, muitas das quais visam maliciosamente a indivíduos e instituições quenianas. As campanhas que destacamos prenunciam o que está por vir, e o Twitter precisa começar a prestar atenção", projeta o jornalista.
Fontes: Mozilla Fundation; WIRED.