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AN0M: aplicativo falso do FBI prometia comunicação segura, mas entregava espionagem

Guilherme Petry

A Polícia Federal da Austrália (AFP) conseguiu prender 224 membros do crime organizado através de um aplicativo falso de mensagens criptografadas, desenvolvido em parceria com o FBI. A operação, batizada de Ironside, foi capaz de acessar às conversas desses grupos criminosos, que acreditavam que o aplicativo era seguro e confiável, quando na realidade, foi desenvolvido pela própria polícia.

De acordo com polícia australiana, a Operação Ironside começou em 2018 e desde então já foram apreendidos 3,7 toneladas de drogas, 104 armas, AUD$ 44 milhões (cerca de R$ 174 milhões), além da identificação e ação preventiva contra 20 ameaças de morte.

Reece Kershaw, delegado da AFP explica que o aplicativo AN0N, foi desenvolvido pelo FBI em parceria com mais 18 países, após a queda do aplicativo Phantom Secure (legítimo), utilizado por criminosos para comunicação segura e criptografada.

"Hoje, a Austrália é um país muito mais seguro por causa do resultado extraordinário da Operação Ironside [...] Essencialmente, eles [os criminosos] se algemaram ao endossar e confiar no AN0M e se comunicar abertamente com ele - sem saber que estávamos assistindo o tempo todo", explica Kershaw.

O AN0M não era um aplicativo comum, que poderia ser encontrado nas lojas. Era necessário modificar o dispositivo para que ele não faça ligações ou mande e-mails, além disso, era necessário pagar um valor mensal para poder utilizar o aplicativo, que era negociado pela polícia disfarçada, nos fóruns cibercriminosos.

Mesmo aplicativo, outra operação

Outra ação policial que utilizou o aplicativo AN0M é a Operação Trojan Shield, deflagrada pela Europol, que segundo um comunicado à imprensa, prendeu mais de 800 suspeitos, apreendeu 8 toneladas de cocaína, 2 toneladas de anfetamina e metanfetamina, 22 toneladas de maconha, 250 armas de fogo, 55 carros de luxo e U$ 48 milhões em 700 mandados de busca e apreensão.

Infográfico dos resultados da Operação Trojan Shield, que utilizou o AN0M como principal ferramenta. Foto: Europol.
Infográfico dos resultados da Operação Trojan Shield, que utilizou o AN0M como principal ferramenta. Foto: Europol.

Segundo a polícia europeia, o aplicativo foi baixado por mais de 12 mil usuários de 100 países diferentes, o que inclui membros da máfia italiana, gangues de motoqueiros e agências internacionais de tráfico de drogas.

O aplicativo foi descontinuado pelo FBI. Ná página onde era oferecido o AN0M, agora há uma mensagem, bem parecida com aquela de quando sites são derrubados pelo FBI. Mas nesse caso, pede informações de contato caso um usuário esteja vinculado a uma investigação em andamento, envolvendo o aplicativo.

Problema ético

Essa não é primeira vez que o FBI desenvolve uma ferramenta falsa para capturar criminosos ou espionar sua própria população. O FBI é famoso por essas práticas.

Em 2014, a corporação publicou uma página falsa, que parecia muito com a página da agência de notícias, Associated Press (AP), com uma história que eles sabiam que o investigado clicaria. Nessa página havia um rastreador, que identificou a localização do investigado.

Um porta-voz da Associated Press, Paul Colford, disse na época, que a AP estava extremamente preocupada e que considerou inaceitável que o FBI se apropriou do nome da empresa e ainda publicou uma história falsa em seu nome.

Além de construir ferramentas falsas, o FBI e qualquer outra agência policial que constrói ferramentas falsas com objetivo de enganar criminosos podem ser considerados como uma ameaça à privacidade da população geral.

Principalmente em países autoritários, onde há controle total da internet e a população não pode se comunicar sem mediação do Estado. Também há casos de jornalistas que precisam reportar de dentro desses países autoritários sem serem identificados, mas mais importante, sem que identifiquem suas fontes.


Fontes: The Register; AFP; Europol; Washington Post.

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