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Quem é Elizabeth Warren, a candidata à presidência dos EUA que quer “quebrar” gigantes da tecnologia

Ramon de Souza

No dia 10 de agosto do ano passado, enquanto testemunhava perante o Comissão do Senado dos Estados Unidos sobre o Judiciário, Mark Zuckerberg foi questionado sobre quais seriam os principais concorrentes do Facebook. O presidente da empresa titubeou ao responder. “O americano padrão usa oito apps diferentes para se comunicar com seus amigos e manter contato com as pessoas via texto e email”, apontou o executivo.

Mark só não percebeu uma coisinha: ele deu corda para enforcar a si mesmo. Dos oito apps mais utilizados ao redor do mundo — tanto na Google Play Store, do Android, quanto na App Store, do iOS —, quatro deles pertencem ao Facebook. Além do cliente oficial da própria plataforma, temos ainda o Messenger, o Instagram e o WhatsApp. No caso do sistema operacional do robô verde, encontramos ainda o Facebook Lite na sexta posição.

Não é novidade para ninguém que as grandes empresas de tecnologia — incluindo Google e Amazon — conseguem, mesmo sob os olhares atentos de leis antitruste internacionais, devorar a concorrência em prol de seu próprio crescimento. Se um pequeno competidor começa a fazer sucesso entre o público, podemos ter certeza de que ele será comprado por uma “big tech” — ou simplesmente terá suas core features copiadas na cara dura.

Mais uma vez, é impossível não citar o Facebook aqui. Seu recurso batizado de “Stories” matou o Snapchat; para bater de frente com o Tinder, resolveu lançar o “Dating” e assim por diante. A Google, com medo do Waze passar a ser mais utilizado pelos motoristas para navegação do que o Maps, gastou mais de US$ 1 bilhão para comprar o aplicativo. A Amazon? Devorou a Zappos, marketplace de roupas, calçados e acessórios, por US$ 928 milhões.

Tudo isso tem deixado certa senadora muito, mas muito irritada. Estamos falando da democrata Elizabeth Warren, candidata à presidência dos Estados Unidos em 2020. Com um discurso altamente progressista e um currículo interessantíssimo (ela já atuou como assessora do Departamento de Proteção Financeira do Consumidor durante o governo Obama), Elizabeth vem chamando atenção por uma de suas maiores promessas políticas: se eleita, ela pretende “quebrar” grandes empresas de tecnologia. Ponto.

Menos monopólio, mais competição

Em uma postagem publicada no Medium, o time de comunicação da candidata — citando suas próprias palavras — explica o quão perigoso é o cenário que estamos vivendo atualmente. Citando outros casos de monopólio que abalaram o século passado, a norte-americana de 70 anos afirma que hoje “as empresas de tecnologia detêm muito poder — muito poder sobre nossa economia, nossa sociedade e nossa democracia”.

(Reprodução: Recode)

“Elas destruíram a concorrência, usaram nossas informações privadas para obter lucro e inclinaram o campo de jogo contra todas as outras. E, no processo, prejudicaram as pequenas empresas e sufocaram a inovação”, explica Warren. “Eu quero um governo que garanta que todo mundo — mesmo as maiores e mais poderosas companhias da América — respeitem as regras do jogo”, complementa.

Um dos exemplos empregados pela senadora dentro do próprio segmento de tecnologia é a batalha judicial ocorrida entre a Microsoft e o governo dos EUA nos anos 90 — a companhia de Bill Gates foi processada por violar leis anti-monopólio ao teoricamente tentar dominar o mercado de computação pessoal e navegação na web. As duas partes chegaram a um acordo e o caso foi finalizado “em paz”, permitindo a ascensão, por exemplo, da Google.

“Nós não estamos felizes que agora temos a opção de usar o Google em vez de usar o Bing?”

Contudo, a novela se repete e agora 70% de todo o tráfego da rede mundial passa por serviços operados pela Google ou pelo Facebook. De acordo com Warren, as gigantes da tecnologia começaram a usar seu poder para sufocar a competitividade e impedir que novos concorrentes surjam no mercado, fundindo-se com pequenas startups ou criando novos recursos “fortemente inspirados” em seus core business. E isso não é bom para ninguém.

“Com menos concorrentes entrando no mercado, as grandes empresas de tecnologia não precisam competir de forma tão agressiva em áreas como a proteção de nossa privacidade”, aponta a candidata. “Devemos garantir que os gigantes de hoje não espantem concorrentes em potencial, sufoquem a próxima geração de grandes empresas de tecnologia e desempenhem tanto poder que podem minar nossa democracia”, conclui.

Ok, qual é o plano?

A principal ideia de Warren é criar uma legislação que designe grandes empresas de tecnologia (sendo mais específico, aquelas que lucram mais de US$ 25 bilhões por ano) como “Utilitários de Plataforma” e proibir que elas tenham mais de um produto dentro da mesma plataforma de atuação, como um marketplace online, uma rede social ou algo similar. Dessa forma, o Facebook teria que se separar do WhatsApp, do Messenger e do Instagram, tal como a Google seria forçada a se desfazer de alguns de seus braços.

Warren também pretende criar uma comissão de reguladores para desfazer fusões consideradas abusivas pela ótica antitruste — incluindo tais nomes que acabamos de citar. A candidata afirma que, para o usuário final, as medidas não terão efeitos perceptíveis e os serviços que estamos acostumados a usar continuarão perfeitamente funcionais.

“O que vai mudar: pequenas empresas terão uma chance justa de vender seus produtos na Amazon sem medo de tê-los removidos. A Google não conseguirá abafar os concorrentes rebaixando seus produtos em pesquisas. O Facebook enfrentaria uma pressão real do Instagram e do WhatsApp para melhorar a experiência do usuário e proteger nossa privacidade. Os empresários de tecnologia teriam uma chance de competir contra os gigantes da tecnologia”, aponta Warren.

Zuckerberg não gostou

É óbvio que os planos de Warren incomodariam quem está sentado no trono de ouro, e o desgosto de Mark Zuckerberg pelos planos da democrata tornou-se público no dia 1º de outubro, quando o site The Verge divulgou, com exclusividade, uma série de áudios vazados de uma sessão de perguntas e respostas entre o executivo e seus próprios funcionários. Alguém, é claro, resolveu perguntar ao CEO qual era a opinião dele sobre os objetivos de Elizabeth.

(Reprodução: POLITICO)

“E então você tem alguém como a Elizabeth Warren, que pensa que a resposta certa é separar as empresas... Se ela for eleita presidente, eu aposto que teremos um desafio legal, e aposto que venceremos o desafio legal. E isso ainda seria ruim para nós? Sim. Quero dizer, não quero ter um grande processo contra nosso próprio governo”, afirmou Zuckerberg, e completou: “Apenas quebrar essas empresas, seja o Facebook, a Google ou a Amazon, não vai realmente resolver os problemas”.

Contudo, nos mesmos áudios vazados, o próprio executivo demonstra exatamente o comportamento corporativo tóxico que Warren pretende exterminar. Questionado sobre a ascensão do app chinês TikTok, cada vez mais popular ao redor do mundo, Zuckerberg revela já estar lançado um rival direto — batizado de Lasso — como um aplicativo dedicado. De início, o produto será exclusivo do México, mas a ideia é liberá-lo aos poucos no mundo todo.

Em uma resposta pública em seu perfil no Twitter, a candidata afirmou: “O que realmente ‘seria ruim’ é se não consertarmos um sistema corrupto que permite que empresas gigantes como o Facebook se envolvam em práticas anti-concorrência ilegais, prejudiquem os direitos de privacidade do consumidor e se atrapalhem repetidamente com a responsabilidade de proteger nossa democracia”.

Em ascensão

Diferente do que você possa estar pensando, Elizabeth Warren vem recebendo muito apoio justamente de executivos e ricaços da área de tecnologia — ou, sendo mais específico, da famosa região do Vale do Silício, conhecida por ser o berço das startups mais bem-sucedidas da história.

(Reprodução: Vanity Fair)

Hunter Walk, ex-diretor de produto da Google e atual investidor, considera Warren uma “evolução”; Barry McCarthy, diretor financeiro do Spotify, diz que ela “aumenta o nível de discursos políticos”; já Chamath Palihapitiya, um dos primeiros executivos do Facebook, diz que não concorda com tudo que Elizabeth diz, mas doou dinheiro para a sua campanha porque “ela é a única candidata com coisas escritas” (referindo-se a planos concretos).

É difícil dizer o quanto Warren já recebeu do Vale do Silício, mas é fácil perceber que sua popularidade vem aumentando ao longo dos últimos meses. As pesquisas apontam que a democrata responde por 26,6% das intenções de voto, mais do que o atual vice-presidente Joe Biden (26,4%) e o também favorito senador Bernie Sanders (14,6%). Será que estamos prestes a vislumbrar uma reforma no mercado de tecnologia?


Fonte: Medium/Team Warren, The Verge, Forbes, Vanity Fair, Recode

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