Graças a cientista de dados, Frances Haugen, a antiga chefe do departamento de Integridade Cívica do Facebook, que pediu demissão e publicou documentos e pesquisas internas da rede social, confirmamos o que já esperávamos. O Facebook, junto com seus subordinados, WhatsApp e Instagram, priorizam o lucro, independente da ética e das consequências negativas que boa parte das publicações causam na sociedade geral (beleza, isso todo mundo já sabe). A revelação é que o Facebook e sua diretoria sabem disso, mas nada é feito para tornar a rede social mais segura.
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Haugen ficou conhecida mundialmente após uma entrevista ao programa 60 Minutes da CBS News, que foi ao ar na última segunda-feira (04), onde ela revelou as principais atrocidades praticadas nas redes sociais do Facebook, como tráfico de drogas, tráfico humano, disseminação de todas as formas de ódio (racial, político, econômico e cultural), disseminação em massa de conteúdo mentiroso e politicamente motivado, além de que seus conteúdos podem ser muito prejudiciais à saúde psicológica de seus usuários, principalmente os mais jovens, amplamente prejudicados por influenciadores digitais.
No entanto, antes de aparecer publicamente, revelando sua identidade, Haugen denunciou o Facebook às autoridades legais dos Estados Unidos e à imprensa de forma anônima, no mês passado, entregando a essas entidades um documento com cerca de 10 mil páginas, além de seus depoimentos pessoais. O representante da imprensa escolhido para publicar essas informações foi o jornal estadunidense, The Wall Street Journal.
Após diversas entrevistas e análises dos documentos de Haugen, os jornalistas do The Wall Street Journal resolveram publicar uma série de reportagens especiais, na qual revelam os detalhes dessa operação gananciosa do Facebook.
Os arquivos do Facebook
Durante às nove reportagens especiais que compõem o The Facebook Files, publicadas pelo The Wall Street Journal, Haugen contou que trabalhou como líder do departamento de Integridade Cívica do Facebook por dois anos. O departamento de Integridade Cívica (Civic Integrity, em inglês, como é conhecido na empresa) é responsável por analisar o conteúdo das publicações veiculadas nas redes sociais, gerar relatórios sobre seus impactos negativos na sociedade e claro, apresentar soluções para tornar as redes sociais mais seguras e menos prejudiciais aos seus usuários.
Segundo a denunciante, o Facebook sabe, com detalhes, que suas plataformas estão repletas de falhas que causam danos aos seus usuários e apenas das constantes audiências com as autoridades judiciais sobre como o Facebook funciona e das inúmeras denúncias à imprensa, o Facebook não as corrige. Pelo contrário, ele se beneficia delas.
Haugen explica que o problema central não está nos funcionários do Facebook em sí, mas sim em como o serviço funciona. "Uma coisa que realmente quero enfatizar é que muitos dos problemas descritos aqui não são problemas do Facebook. Eles são problemas com a curadoria de publicações baseada em engajamento. Quando permitimos que algoritmos escolham o que veremos e o que não vemos.
Em suas pesquisas, Haugen concluiu que conteúdos violentos, mentirosos, agressivos e até absurdos são mais valorizados pelo algorítimo por serem os que recebem o maior número de reações e comentários, já que provocam reações tanto do público qual foi direcionado, como do público que se sentiu ofendido.
Julgar conteúdos mais engajados como os "mais relevantes" não é só uma prática do Facebook. Este é o conceito por trás de quase todas as redes sociais. Isso se torna um problema em uma rede social como o Facebook por ser uma das maiores (maior número de usuários e maior número de horas que usuários gastam na plataforma) e também a que mais tem usuários mal-intencionados.
Por isso, caso encontre uma publicação violenta, ilegal ou agressiva em uma rede social e acredite que essa publicação não deve ser recomendada, apenas denuncie. Tanto longos comentários argumentativos, reações negativas como o "não gostei" do YouTube, ou as carinhas de raiva do Facebook são indicativos de engajamento e isso que o algorítimo procura no momento da curadoria de conteúdos do seu feed.
Uma dessas reações diretas do algorítimo que realmente preocupa Haugen é com relação às crianças no Instagram, principalmente as meninas, que são mais pressionadas a terem determinado padrão de corpo. Ela explica que uma vez que uma garota procura por "perda de peso" nas redes sociais, o algorítimo entende que esse assunto é interessante para ela e começa a bombardeá-la de conteúdos relacionados a esse tópico.
"Isso é um perigo para adolescentes, certo? Parte do motivo pelo qual esses adolescentes estão tendo transtornos alimentares é que uma vez elas procuraram por 'perda de peso' e o algorítimo conclui: ótimo, continuaremos mostrando cada vez mais publicações profundas e extremas relacionadas a perda de peso", explicou Haugen em uma entrevista com a jornalista Kate Linebaugh.
Mas se o Facebook sabe que isso é prejudicial aos seus usuários, por que não muda isso? Haugen explica que no Facebook há um conflito de interesse enorme entre "o que é bom pro meu público" e "o que é bom pro Facebook".
Ou seja, o Facebook sabe que se exibir menos conteúdos extremos, polêmicos e duvidosos, vai perder engajamento e perder o tempo que seus usuários gastam em suas plataformas, o que, consequentemente significa menos dinheiro, já que as redes sociais ganham dinheiro com anúncios e quanto menos usuários vendo anúncios na plataforma, menor é o dinheiro que entra para as redes sociais.
"Parte do motivo pelo qual o Facebook fez muitas dessas escolhas [manter a prioridade de conteúdos extremos] é porque eles sabem que, para cada uma dessas escolhas, as pessoas se envolvem um pouco mais com o produto. Sim. Se você se livrar de um monte desses growth hacks, o Facebook pode ser 10% 'menos agradável'. Ou seja, você passa a consumir 10% menos conteúdo dele", explica.
Para Haugen, esse é um problema complexo e sua solução deve ser aplicada em camadas. Ela acredita que para começar a resolver essa situação, o Facebook deveria ser mais transparente com relação aos conteúdos mais engajados, que mais se destacam e viralizam na rede social, publicando relatórios diários de quais foram os conteúdos mais acessados do dia e o porquê.
Isso seria uma oportunidade de jornalistas analisarem os assuntos mais quentes do dia e isso poderia ajudar a evitar uma série de tragédias sociais, como o suicídio de meninas que não possuem os corpos das modelos e até mesmo a invasão ao Capitólio dos Estados Unidos, em dezembro de 2020.
"Acredito que há diferentes níveis de intervenções necessárias. No mínimo, precisamos radicalmente de mais transparência. Como sociedade, pensar em como não depender de delatores como eu para obter informações básicas da empresa [...] O Facebook troca engajamento por consequências enormes em desinformação, discurso de ódio e violência. Agora temos essas informações documentadas", explica.
"A segunda coisa que devemos ter são regulamentos diferentes com relação ao engajamento. O ranking de engajamento sempre vai priorizar o sensacional. Sempre priorizará a desinformação. Precisamos de intervenções para reduzir a viralidade, para tronar as coisas menos otimizadas para o lucro", conclui Haugen.
Fontes: CBS News; The Facebook Files (WSJ).