A Worldwide Developers Conference (WWDC), conferência anual da Apple focada no anúncio de novidades em sua área de software, é um evento aguardadíssimo tanto pelo público final quanto pela comunidade de desenvolvedores. Enquanto o primeiro perfil tem a chance de conhecer novos recursos que serão implementados nos sistemas operacionais da Maçã, o segundo foca-se em ineditismos na área de programação — o que inclui o anúncio de novas APIs e melhorias no ambiente Xcode, por exemplo.
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Ainda online por conta da pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV2), a edição deste ano foi além. Ela serviu como um canal de comunicação para que a companhia de Tim Cook mandasse uma mensagem bem clara e agressiva para o mercado; uma mensagem que certamente vai incomodar muita gente, agradar tantas outras e nos incentivou a colocar o seminário como pauta de destaque neste veículo. A mensagem é a seguinte: as big techs podem sim oferecer serviços de qualidade e respeitar a privacidade do internauta. Ponto.
“Na Apple, acreditamos que privacidade é um direito humano fundamental. Nós não temos a crença de que você precisa escolher entre ter grandes recursos ou a sua privacidade. Acreditamos que você merece os dois”, destacou Craig Federighi, vice-presidente sênior de engenharia de software da marca. Enquanto anunciava novas funcionalidades dos novos iOS 15 e macOS Monterey, o executivo dedicou parte do WWDC 2021 para falar especificamente sobre os esforços da empresa para criar uma web mais segura.
Quem te rastreia?
Primeiramente, integrado ao aplicativo Mail, temos o novo Mail Privacy Protection, que bloqueia pixels de rastreamento para evitar que newsletters promocionais consigam acessar seu endereço IP e geolocalização; algo similar será inserido no navegador Safari. O objetivo é que corretores de dados e grandes redes de publicidade tenham dificuldade em rastrear os perfis de consumo dos clientes da companhia, já que tais metadados são amplamente usados para acompanhar o comportamento e histórico de navegação do internauta ao longo da web.
Aliás, o novo Apps Privacy Report complementa as “etiquetas de privacidade” (inauguradas no iOS 14 e que exigem que os aplicativos avisem ao usuário quais dados serão coletados e com qual finalidade) ao apresentar, em formato de relatório, quais softwares estão acessando cada recurso do seu dispositivo — com direito a horário e duração. Ele vai até mesmo lhe informar domínios de terceiros com os quais aquele app está se comunicando com frequência; desta forma, fica fácil saber quais programas estão exagerando na coleta de informações e compartilhando indevidamente com terceiros.
Indo além, com a crescente paranoia coletiva em relação aos assistentes virtuais, a Apple decidiu que todo o processamento de áudio da Siri passará a ser feito localmente nos smartphones, o que significa que nada do que você disser à inteligência artificial será enviado para qualquer nuvem ou servidor. Isso só é possível graças ao chip Neural Engine que integra os smartphones da Maçã desde o iPhone X; além do aumento de privacidade, o processamento on-board traz o benefício de comandos offline e uma resposta muito mais ágil do assistente aos seus pedidos.
Tem até VPN e email descartável!
Não acaba aí. Mike Abbott, vice-presidente de engenharia da companhia, subiu ao palco virtual para apresentar o iCloud+ — um rebranding da já existente versão paga da plataforma de armazenamento na nuvem. A novidade aqui está em duas funcionalidades inéditas e que serão disponibilizadas exclusivamente aos assinantes de tal plano. A primeira é o Private Relay, um tipo de VPN próprio da Apple que funcionará com o Safari e partes de apps de terceiros. “Ele garante que todo o tráfego que deixa o seu dispositivo é criptografado, de forma que ninguém poderá interceptá-lo ou lê-los”, garante Mike.
Já o Hide My Email foi projetado para aqueles momentos em que você precisa fornecer um endereço de email em algum formulário, mas não quer revelar o seu verdadeiro (especialmente por “algo lhe diz” que ele será usado para te bombardear com spam). O recurso cria endereços temporários e descartáveis que receberão as mensagens e encaminharão para a sua caixa de entrada; ao apagá-los, você também deixa de receber os emails indesejados e “some” da lista de contatos do spammer.
Todas essas iniciativas formam aquilo que, de acordo com Lauren Henske, engenheira de privacidade da Apple, são os quatro “pilares” que a marca está trabalhando em relação ao tema: minimização de dados (recolher e usar apenas os dados essenciais); processamento local (evitar o envio de informações para servidores ou nuvens); transparência e controle (prover ao usuário uma visão clara sobre como suas informações são usadas) e, finalmente, proteções de segurança que visam evitar a ação de ameaças cibernéticos e outros riscos que rondam a internet.
Vale observar que a mensagem que a Maçã quer passar não diz respeito apenas aos seus próprios produtos — ela também anseia incentivar os desenvolvedores a adotar esse mindset. “Melhorar as proteções de privacidade do seu aplicativo pode parecer uma meta ambiciosa e você pode nem saber por onde começar. Então simplificamos a engenharia de privacidade em uma série de princípios e perguntas relacionadas que você pode fazer a si mesmo para orientar como projetar produtos”, explica Lauren.
De fato, a companhia promoverá o WWDC 21 até esta sexta-feira (11) mais de 200 sessões para treinar programadores e gestores corporativos, além de oferecer desafios e laboratórios com engenheiros Apple no intuito de preparar a comunidade para essa nova realidade. Resta saber como reagiram nomes como Google, Amazon e Facebook perante essa ambiciosa estratégia de Tim Cook de vender privacidade online em vez de lucrar com a invasão dela.